O Término
Avaliação: 0+x




Eu me lembro do momento em que caí do mundo, demasiado tolo para entender a que me resignei enquanto a atmosfera escura me engolia inteira.

O tempo não fazia mais sentido, eu continuava a cair, mas a sensação disso estava ausente. Nem ar, fome ou sede me atormentava. Imaginei que mais tarde alguma coisa acabaria com essa miséria, mas o buraco crescente dentro de mim empurrava-me contra essa noção.

Pela primeira vez neste inferno, meus olhos pousaram em uma luz fraca. Espirais de luminescência circulavam em torno de seu raio e alcançavam o vazio.

É aqui que minha memória falha um pouco, a partir desse ponto o que consigo lembrar é a cacofonia ensurdecedora de uma espécie de ventania sobrenatural e a força opressora me puxando para si mesma.

Quando eu acordei, eu a vi - essa figura que tinha o triplo da minha altura. Sua carne fundiu-se com o próprio mundo, mudando constantemente como esta cadência intrincada e horrenda. Em contraste, suas mãos eram como uma espécie de mármore carnudo e pareciam delicadas.

O olho, oh senhor, o olho…

Eu nunca experienciei qualquer tipo de evisceração mental - se é que posso me referir a isso como tal, em toda a minha vida. Senti como se tivesse vivido um milhão de vidas, cada uma com tantas coisas intrincadas e trilhões de pensamentos e sentimentos que não conseguia me lembrar se tivesse uma eternidade para fazê-lo. A pura magnitude do desespero infligido a mim foi algo que nunca foi feito para os mortais suportarem.

No momento em que as visões finalmente me deixaram por conta própria, percebi que já não conseguia sentir mais o próprio corpo, meus sentidos completamente aturdidos. O que eu fiz para merecer isso? O abraço infinito do deleite do vazio seria um destino mais fácil de suportar?

De vez em quando, eu me preocupo se estou dramatizando demais isso, no entanto, quando o calor voltou aos meus ossos foi incapaz de parar os soluços que sacudiram meu núcleo.

Até hoje não deixei o paraíso que é o Arquivo Cygnus. Eu fui salvo. Por qual razão? Eu nunca saberei. Todos os rostos que vi me assombram, os rostos que vejo aqui se parecem demais com eles. Eu não paro de me arrepiar quando eles olham para minha forma e fazem caretas. Minha carne parece diferente, talvez folgada. Temo ter sido vítima de minha própria paranoia e delírio. Eu mudei.

Basta dizer que não há mais alegria nesta vida.

Não posso expressar o suficiente que o que está prestes a ser dito não deve ser interpretado de maneira derrotista. Não tente escapar das Backrooms. Francamente, não há nada lá fora, exceto o domínio deste ser para tropeçar com a sua existência perdida. Este labirinto cruel é agora e para sempre sua casa, assim como é minha. Eu rezo a cada ciclo de sono para que eu nunca tenha que voltar a ver essa coisa novamente.

O que eu experienciei não é nada que eu causaria a ninguém, nem mesmo ao meu pior inimigo.

Embora anedótico, eu sei com certeza que esse tipo específico de pavor não é inteiramente obra minha. Este ser emana uma espécie de força que reverencia os seres em sua presença.

Ao leitor que chegou até aqui, quero lhe agradecer.

Pelo tempo que passei aqui, tive uma afinidade com a pintura. Eis aqui a minha versão do ser que atormenta meus pesadelos. O Término, o fim, o começo e talvez além. Tenho certeza que este é o nome dele. Lembro-me claramente do nome dele desde o momento em que acordei e, para todas as intenções e propósitos, você também deveria saber.

mortosgif

O Término


Unless otherwise stated, the content of this page is licensed under Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License